terça-feira, 10 de novembro de 2009

Censura

Não sei dizer se é engraçado ou frustrante este nosso Universo. Infinito e, ao mesmo tempo, fatalmente limitado pela pouca amplitude da visão humana. Uma vastidão inútil, pois nossa percepção é rasa. Por mais que tenhamos esse imenso Universo à nossa disposição, estamos restritos a uma elaboração e manutenção de um microcosmos próprio. Necessário.

Passei boa parte da minha madrugada assistindo a um filme hollywoodiano, nenhum blockbuster, mas com atores renomados como Russel Crowe e Al Pacino. Chama-se "O informante", se não me engano. O filme trata, resumidamente, da censura sofrida por um jornalista e seu informante, por uma companhia de cigarros da qual eles tinham denúncias graves a fazer. A empresa pressionou a corporação que sustentava a emissora de notícias e esta, então, negou-se a transmitir a entrevista comprometedora. Eu já havia visto o filme antes, já sabia o final da história, mas gosto de rever os filmes, pois a cada vez a história parece que muda - na verdade, somos nós que mudamos.

Recentemente tive a experiência de presenciar de perto uma situação dessas. Um companheiro de trabalho, num cargo muito superior ao meu foi dispensado do serviço por uma série de atitudes incoerentes com as diretrizes da empresa. Resumindo: censura. A revolta por parte de todos que ali trabalham foi grande, não somente pelo respeito que tinhamos pelo trabalho daquele patrão, mas também por este fator incômodo: a censura. Sofremos de um certo pavor dessa herança da ditadura e, entrar em contato direto com ela foi, sem dúvida, algo difícil de engolir. Mas, que nada, uma semana depois estavam todos tranquilos. Tragados pela rotina, voltamos a cumprir nossa função no microcosmos e deixamos de lado este orgulho ferido.

O que me incomodou na verdade com o filme e com a experiência foi, na verdade, o fator surpresa e choque. Censura é uma palavra feia para algo que fazemos todos os dias: julgar.

Se você abrir na página inicial do site do Estadão, você verá uma tarja preta anunciado que há determinada quantidade de dias o jornal está sob censura. O que acontece é que um certo desembargador, com uma ação judicial, conseguiu a proibição da publicação de quaisquer matérias referentes a uma Operação Boi Barrica que, segundo o jornal, conteria informações que prejudicariam pessoas públicas (lê-se políticos).

Bom, isso é o de menos, pois se você olhar essa mesma página inicial verá outras matérias referentes ao que podemos chamar de censura: censuramos uma estudante por usar um vestido muito curto e depois censuramos a faculdade por censurá-la, censuramos um juiz por errar, censuramos uma atleta por usar um medicamento, censuramos um empresa online por ter uma comunidade que tira sarro de um piloto, enfim... censurar é tudo o que fazemos todos os dias.

O que acontece é que nossa percepção da questão é microcósmica e quando, por algum evento já citado, temos contato com essa realidade macro, nos sentimos afrontados. Mas cedemos a isso todos os dias. Somos cúmplices de todas essas ações que condenamos. Não apenas por sermos naturalmente passivos - o homem não é um ser ativo-pensante -, mas porque queremos essa falta de controle para nos sentirmos um pouco menos responsáveis.

Ah, claro, vale ressaltar. No filme, caso você não o tenha visto, o brio jornalístico vence a ditadura corporativa e a matéria acaba saindo na íntegra. Mas todos nós sabemos que a realidade é um pouco menos hollywoodiana.

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