sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Perspectiva

O mundo, 
este mundo que eu vejo
e que aos meus olhos se apresenta diariamente:
Ele, só a mim pertence,
tal como os seus personagens. 
Estes atores da minha fantasia
o são por fatalidade:
não cabe a eles e nem a mim qualquer emancipação.

Estamos assim fadados a esta relação,
pois o mundo, este mundo que eu vejo,
se apresenta assim, diariamente, aos meus olhos.

Somente a minha morte interromperia o mundo.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Reminiscências

Há na tua ausência
a presença inexorável
da saudade.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Pensamento

"O homem não nasceu para pensar": me disse várias vezes Herman Hesse. Possui a capacidade, mas não a finalidade e, ao contrário do que muitos acreditam, não é este o fator que nos diferencia dos demais animais. Não, o homem não nasceu para pensar, assim como também não nasceu para nadar, no entanto, se ensinado, ele nada.

Pensar é um exercício raro. Nós somos condicionados ao longo de nossas vidas a dar respostas a problemas e chamamos isso de pensamento. Vejam os macacos por exemplo: aqueles que estão em seu habitat natural levam sua vida pacata e ordinária sem a interferência de ninguém, sem grandes realizações, impassíveis. Por sua vez, os parentes cientistas, utilizados em laboratórias para estudos, aprendem com os seres humanos diferentes respostas a problemas diversos e até astronautas já viraram. Ao longo de nossa vida somos como macacos retirados das selvas, aprendemos a dar respostas a novos problemas e não temos limites de realizações. Seja em casa, na rua, no trabalho, em qualquer âmbito social, nós apredemos a dar respostas e só. Respostas ordinárias e instintivas.

Se o homem fosse um ser pensante, não chegaríamos ao final de uma vida usando apenas 5% de nossa capacidade mental. Isso, quando muito. Não, o homem não nasceu para pensar, mas, assim como na natação, se ensinado, ele o faz e parcelas muito pequenas da população dedicam a vida a este trabalho. Mas não se vanglorie, é pouco provável que você faça parte desta parcela.

Essa pequena parcela da população é a grande responsável por criar os novos desafios e respostas ordinárias que aprendemos. As consequências de se viver sob o jugo dos instintos e de não pensar são testemunhadas passivamente todos os dias: intolerência, violência, destruição, incompreensão, animalidade, um egoísmo patológico que predomina nas relações humanas. Um egoísmo burro.

Egoísmo burro porque sua consequência é a redução do homem ao seu estado mais bestial. O homem se reduz continuamente em favor da criação da matéria, ao ponto em que esta acaba por prevalecer sobre o seu criador. Este estilo de vida, ao contrário do que acredita-se, não distingue o homem dos animais, mas justamente é aquilo que o devolve ao patamar animalesco: o homem nasce, é ensinado a criar e produzir bens materiais, passa sua vida criando bens que terão mais valor que ele até o ponto em que morre pelas "mãos" daquilo que criou.

Alguns pensadores, como Nietzsche, idealizaram um outro tipo de homem egoísta. No entanto, essa individualidade refletiria um desejo do homem voltar a si mesmo e buscar o seu máximo desenvolvimento. Como consequência deste desejo de autocrescimento, o homem teria que pensar nos indivíduos ao seu redor. O lendário Fausto é um exemplo: insatisfeito com a sociedade em que vivia, pois esta limitava a sua capacidade de se desenvolver, fez um pacto com Mefistófeles (demônio) que lhe concedeu viver alguns anos a mais e permitiu que promovesse a paixão pela ciência e o progresso, reconstituindo assim a sociedade.

Infelizmente, o mal desta sociedade faustiana era que somente Fausto era um espírito livre - como Nietzsche define - os outros foram instrumentos da sua mudança. Tal como foram no século 19, período de atividade intelectual Nietzsche e tal como são hoje. Estamos inexoravelmente fadados a uma sociedade fáustica: nossa evolução depende do desejo de crescimento de alguns poucos. E ainda assim, não seremos menos animais do que somos hoje ou do que fomos quando ainda éramos macacos nas florestas.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Domingos...

Domingo é um dia deprimente. Primeiro porque antecede a segunda-feira, então ficamos naquela triste expectativa de que no dia seguinte teremos de acordar cedo e trabalhar. Segundo porque é um dia simplesmente medíocre: nada abre, nada passa na televisão e ninguém tem vontade de fazer nada.
Em domingos como este, de hoje, costumo transitar do computador, para cozinha, para sala, para o computador, para a cozinha. Não necessariamente nesta ordem. Rodo os canais entre os programas de auditorio habituais e me deparo com os jogos dominicais que as donas de casa e sonhoras de idade devem amar. A televisão virou um imenso freak show que a gente paga pra ver.
Um fato que eu acho curioso é a imensa banalização do amor que estes programas promovem. Pessoas unidas no palco para deleite da plateia que aplaude como um final de novela. Casais que vão para frente da televisão expor o quão ignorantes são um sobre o outro ou, pior, expõem mais do que gostaríamos de saber sobre o parceiro. O amor é ridículo e não no sentido meigo e poético de Fernando Pessoa, mas naquele sentido que te faz ter dó!
 
Somos uma geração de imediatistas buscando relacionamentos significativos, mas com prazos de validade. Pulamos através das relações buscando inspiração, paixão, amor, intensidade e não nos damos conta de que para tudo isso é preciso tempo. Não são  necessários anos, mas é preciso de tempo de interesse. Nós paramos de nos interessar pelas outras pessoas, porque estamos ocupados demais inventando desculpas.
Casamento virou tradição, é costume, código cultural incutido no nosso subconsciente, assim como o divórcio. E com o tempo ele vai se banalizando cada vez mais até o ponto em que perde seu status de elo profundo entre o homem e a mulher. Basta juntar. Enfim, nós vamos construindo relações que são cada vez mais fáceis de serem desfeitas porque não temos tempo a perder.
Quando buscamos conhecer, conhecemos pouco. O ser humano é múltiplo, multi-facetado, quase esquizofrênico e, ainda assim, nos satisfazemos com pouco. Temos vários amigos em diversos grupos para não nos darmos ao trabalho de conhecer a fundo cada um deles. Escolhemos o grupo conforme o humor do dia: os descolados, os intelectuais, os baladeiros, os caseiros e por aí vai. Somos pessoas em 140 caracteres e nos reduzimos a isso quando partilhamos nossa vida. Não nos expomos mais, não compartilhamos nada que seja realmente interessante, permitimos acesso somente ao superficial de nós.
Desta forma, as relações hoje em dia não ultrapassam essa camada superficial. Ao menos não até o momento em que, obrigatoriamente, somos levados a conhecer o outro seja por qualquer circunstancia esporádica da vida.
O quão bem nós conhecemos as pessoas com quem nos relacionamos? Quanto é que nos interessamos por suas vidas? Eu confesso que ultimamente tenho me interessado pela vida dos outros tanto quanto me interesso pelos domingos. Lamentável.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Alma

A alma pesa e
pesa tanto que de vez em quando,
nestes dias de chuva
(quando a chuva faz tempestade em mim)
lavo minh'alma e a guardo,
surrada e cansada, no fundo do armário.

E me permito ficar assim vazio, 
a sentir a ausência dela no peito
para comprovar o que já é sabido:
A alma pesa e pesa tanto,
mas faz uma falta danada.