sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Pensamento

"O homem não nasceu para pensar": me disse várias vezes Herman Hesse. Possui a capacidade, mas não a finalidade e, ao contrário do que muitos acreditam, não é este o fator que nos diferencia dos demais animais. Não, o homem não nasceu para pensar, assim como também não nasceu para nadar, no entanto, se ensinado, ele nada.

Pensar é um exercício raro. Nós somos condicionados ao longo de nossas vidas a dar respostas a problemas e chamamos isso de pensamento. Vejam os macacos por exemplo: aqueles que estão em seu habitat natural levam sua vida pacata e ordinária sem a interferência de ninguém, sem grandes realizações, impassíveis. Por sua vez, os parentes cientistas, utilizados em laboratórias para estudos, aprendem com os seres humanos diferentes respostas a problemas diversos e até astronautas já viraram. Ao longo de nossa vida somos como macacos retirados das selvas, aprendemos a dar respostas a novos problemas e não temos limites de realizações. Seja em casa, na rua, no trabalho, em qualquer âmbito social, nós apredemos a dar respostas e só. Respostas ordinárias e instintivas.

Se o homem fosse um ser pensante, não chegaríamos ao final de uma vida usando apenas 5% de nossa capacidade mental. Isso, quando muito. Não, o homem não nasceu para pensar, mas, assim como na natação, se ensinado, ele o faz e parcelas muito pequenas da população dedicam a vida a este trabalho. Mas não se vanglorie, é pouco provável que você faça parte desta parcela.

Essa pequena parcela da população é a grande responsável por criar os novos desafios e respostas ordinárias que aprendemos. As consequências de se viver sob o jugo dos instintos e de não pensar são testemunhadas passivamente todos os dias: intolerência, violência, destruição, incompreensão, animalidade, um egoísmo patológico que predomina nas relações humanas. Um egoísmo burro.

Egoísmo burro porque sua consequência é a redução do homem ao seu estado mais bestial. O homem se reduz continuamente em favor da criação da matéria, ao ponto em que esta acaba por prevalecer sobre o seu criador. Este estilo de vida, ao contrário do que acredita-se, não distingue o homem dos animais, mas justamente é aquilo que o devolve ao patamar animalesco: o homem nasce, é ensinado a criar e produzir bens materiais, passa sua vida criando bens que terão mais valor que ele até o ponto em que morre pelas "mãos" daquilo que criou.

Alguns pensadores, como Nietzsche, idealizaram um outro tipo de homem egoísta. No entanto, essa individualidade refletiria um desejo do homem voltar a si mesmo e buscar o seu máximo desenvolvimento. Como consequência deste desejo de autocrescimento, o homem teria que pensar nos indivíduos ao seu redor. O lendário Fausto é um exemplo: insatisfeito com a sociedade em que vivia, pois esta limitava a sua capacidade de se desenvolver, fez um pacto com Mefistófeles (demônio) que lhe concedeu viver alguns anos a mais e permitiu que promovesse a paixão pela ciência e o progresso, reconstituindo assim a sociedade.

Infelizmente, o mal desta sociedade faustiana era que somente Fausto era um espírito livre - como Nietzsche define - os outros foram instrumentos da sua mudança. Tal como foram no século 19, período de atividade intelectual Nietzsche e tal como são hoje. Estamos inexoravelmente fadados a uma sociedade fáustica: nossa evolução depende do desejo de crescimento de alguns poucos. E ainda assim, não seremos menos animais do que somos hoje ou do que fomos quando ainda éramos macacos nas florestas.

5 comentários:

  1. Mas nem é por isso que você não pensa, né? :D
    Abraço.

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  2. (excluí porque não tinha revisado)

    Serve pra você a conclusão da terapeuta de Gilberto Dimenstein par sobre o próprio.

    Minha terapeuta disse o seguinte: "Gilberto, seu problema é prepotência." E eu: "Mas como? Eu sou prepotente?" Ela continuava: "Não, ao contrário, você não está compreendendo. Você não está aceitando a fragilidade do outro para lidar com a mediocridade. E ele tem direito de querer ser medíocre, de não querer inovar, e se você esperar aquilo daquela pessoa, você a está obrigando a ser uma coisa que não é."

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  3. Hahaha, gostei...

    O problema é que não é uma questão de aceitar o direito a mediocridade. Todos temos o direito de sermos aquilo que quisermos, mas com esse direito vem a obrigatoriedade de aceitar as consequências das nossas escolhas. Então em resposta a esta terapeuta eu diria: "Se queres ser medíocre, sejas, mas abrace com a sua mediocridade as consequências dela".

    E o grande problema que se percebe é que a mediocridade do ser humano não é apenas intelectual, mas moral também. O homem quer ser mediocre sem viver numa sociedade mediocre.

    Aí complica.

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  4. Não discordo, tampouco a terapeuta.

    Essa conclusão do seu último parágrafo justifica grande parcela da mediocridade, pois o homem medíocre numa sociedade medíocre não tem capacidade intelectual nem moral para se elevar. A cognição é vista por eles como sem sentido e isso é TRISTE.

    O que me irrita é a incapacidade de notarem que são egoístas e ignorantes porque querem. E nós, que evitamos ser assim, temos que suportar essa merda toda (vide ouvir sertanejo. Tô aqui aguentando o vizinho há algumas horas.)

    A culpa é do sistema.

    Abraço.

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